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A representatividade do homem na dança

  • Foto do escritor: Lanume Weiss
    Lanume Weiss
  • 6 de fev. de 2021
  • 7 min de leitura

O momento em que a masculinidade se combina com a arte e a liberdade é o resultado


O filme “Billy Elliot” conta a história de um menino de 11 anos que enfrenta o preconceito da família diante da sua paixão pela dança. Depois de muito esforço, o garoto vence obstáculos e se torna um brilhante bailarino. Mas a realidade pode se apresentar de forma diferente para os jovens que querem dançar por causa da discriminação.


Dançarino há 6 anos, Pedro Luiz Nascimento, 21, já sofreu preconceito do seu pai e de pessoas que não reconhecem o valor da dança. “As pessoas enxergam só como um hobby. Quando eu digo que trabalho com dança sempre perguntam ‘mas cadê o trabalho de verdade?’. Até minha família não acreditava que eu poderia me sustentar com isso”, conta Pedro.


Vogue e danças urbanas são os estilos que o dançarino pratica. Vogue é uma dança moderna que se popularizou na década de 80 nos clubes gays dos Estados Unidos. Caracterizada por posições típicas de modelos com movimentos corporais definidos por linhas e poses. Danças urbanas são um conjunto de estilos como jazz, contemporâneo, breakdance, hip-hop, entre outras.


Desde pequeno, a paixão pela dança era algo que já exista dentro de Pedro. “Foram os fatores que fizeram meu pai entender: o amor e a vontade que eu tenho de dançar. Ele sabe que é algo importante para mim. Nem sempre se sente a vontade para assistir a todas as coreografias, mas, hoje, me apoia no meu sonho”, conta.


Apesar de se dedicar muito à dança, essa não é a única paixão de Pedro. O dançarino também está cursando Psicologia. Atualmente, está dando aulas de dança em uma academia e pretende conciliar os dois como carreira profissional.


Pedro participa de dois grupos de dança em Blumenau, Overnight e Shantays, e vê poucos homens participando. O artista acredita que parte da proposta do grupo também. Alguns são só de homens, alguns só de mulheres. Mas a minoria é do sexo masculino, esclarece.


Apesar de tudo, o artista não se sente desvalorizado. “Eu me dedico muito a isso e as pessoas percebem. Nunca senti que não valorizaram minha dança só por eu ser homem”, conta. “É dançando que eu consigo sentir e mostrar o que sinto ao mesmo tempo. As pessoas enxergam isso, principalmente aquelas que se identificam”, revela Pedro.


Para o dançarino, o problema é a falta de informação. As pessoas não compreendem que dançar é profissão e que não existe sexualidade. “Elas se limitam na informação, quando digo que danço perguntam se eu faço balé. E nós que somos homens e dançamos estamos sempre deixando as pessoas cientes de que não é porque somos dançarinos que somos gays”, conta Pedro.


Dançar é coisa de homem, sim, senhor!


A descriminação não é mito. Em 1987, o então prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, proibiu que alunos frequentassem aulas de balé, alegando que a Prefeitura não deveria admitir o “terceiro sexo”. A medida também levou à expulsão de profissionais de balé da cidade. No ano seguinte, em 1988, entrou em vigor a versão atual da Constituição Federal que garante a igualdade a todos perante a lei.


“Sinto que sou um artista gay transmitindo, através da arte, o diálogo e a resistência”, acredita Christian Casarin, 30, professor de balé clássico. Chris dança desde os 5 anos e tem a vaga lembrança de acompanhar sua irmã nas aulas de balé e pedir para participar também. “Minha família foi sempre muito presenta na minha vida de artista e me apoiaram mesmo quando não imaginavam que dança era profissão”, conta.


A dança abriu portas e trouxe luz à vida de Christian. O bailarino já rodou o país com a dança e ganhou alguns prêmios. Graças à arte, ele também já pode morar fora. “No fim, é simples: a arte significa tudo para mim”, afirma.

“Que seca, mas nunca morre” por Christian Casarin (Video: Christian Casarin)


O artista reside em São Paulo, cidade onde ocorreu o incidente, no final da década de 80, com Jânio Quadros. O preconceito sempre existiu e continua existindo, comenta Chris. “Os meninos da minha escola não conversavam comigo e me excluíam justamente por eu dançar balé. Para eles era coisa de ‘viado'”, relembra.


Não é novidade que o cenário da dança é maior representado pelo sexo feminino, mas isto está mudando. A Bolshoi, escola de dança e teatro de Joinville, afirma já ter 40% de alunos do sexo masculino. “Na trajetória que percorri, sempre vi um maior número de mulheres dançando. Mas nunca senti que a desvalorização vinha por eu ser homem, mas por ser arte”, desabafa Christian.


Onde reside o preconceito


Em 2018, houve uma mudança enorme no cenário da dança. A empresa Freed of London, especializada em fabricar produtos de balé, lançou modelos de sapatilhas marrons e bronze para dançarinos negros. Por 200 anos, os modelos tradicionais e comercializados eram em tons brancos e rosas. Durante muito tempo, bailarinos que não encontravam sapatilhas em seu tom de pele costumavam tingi-las.


Na época em que esta notícia saiu nos jornais, sites como o G1 sofreram certa discriminação em relação à matéria. Inúmeros comentários diziam que o tal tema não era relevante e que o jornalismo estava ficando sem pauta. Se um passo como essa mudou a vida de Cira Robinson e de vários artista negros, como pode ser um tema irrelevante?


A dança é terapia. Conjunto de calma e felicidade. É o que motiva Alexei Willy Alves Corrêa, 22, dançarino desde que se lembra. “A dança te faz sentir livre. Ela me trouxe amigos, sentimentos maravilhosos e muitas conquistas. Sou grato”, conta Will.


Quando não recebeu apoio, Will soube dar apoio a si mesmo. No início, ele conta que foi um pouco difícil lidar com as pessoas que acreditavam que dança era apenas para garotas, mas o dançarino tem uma regra para esses momentos: não escutar opinião de terceiros.


Alexei sempre manifestou a arte através de diversos estilos como hip hop, danças urbanas, jazz, contemporâneo e dança de salão. “Eu sempre fui apaixonado pelos movimentos. Danço desde que me conheço por gente”, conta. O artista conta que a dança lhe trouxe uma família, o grupo Explosão da Dança, que participa há 4 anos.

A família de Alexei Willy: Grupo Explosão da Dança (Foto: Explosão da Dança)


Will mistura duas formas de arte: a fotografia e a dança. Hoje ele trabalha profissionalmente fotografando espetáculos de dança, além de dançá-los. Junto com o grupo, ele já viveu diversas experiências. Ganharam prêmios, destaques e viajaram juntos.


No grupo, ele vê muitos homens dançando, tanto quanto mulheres. Will nunca sentiu a desvalorização por ser homem, mesmo que haja o preconceito em relação à sexualidade de quem dança. “Se você é homem ou mulher, não importa. O que importa é amar o que está fazendo”, afirma. Para ele, o difícil são as pessoas que não levam a arte a sério. “Há pouco espaço e oportunidades quando se fala de arte no Brasil”, desabafa.


Entre tantos que já sentiram o peso de ser homem e dançar, Leandro Kelm, 19, não enfrentou esses desafios. Leandro fez um ano de curso de dança de salão e passou alguns anos sendo professor junto de seu tio, responsável por administrar as aulas.


“Em nenhum momento eu sofri por isso. Talvez pelo estilo de dança, talvez por ser uma época mais recente”, conta Leandro. Hoje o adolescente parou com a arte. Apesar de ter amado seus tempo em shows de talento, apresentações em escolas e como tutor, não se vê voltando a dança. “Eu era jovem, fiquei meio ‘rebelde’ e desisti. Não sinto falta. Acho que enjoei ou nunca fui tão apaixonado”, esclarece.


Conciliar arte com outras paixões


Cinema, teatro, música, dança e… engenharia? Essas são as paixões de Matheus Delfino, 23, que começou na patinação desde pequeno e hoje é formado em Engenharia Civil.


A história de Matheus com a arte começou quando ele, curioso, foi em três shows de patinação e se encantou. No começo, só a mãe o apoiava e o ajudou a procurar técnicos e a praticar o novo amor. Depois, uma arte engatou a outra. Da patinação, para o musical, para o jazz e ao teatro.


“A arte é incrível! Me faz sentir como se respirasse o ar mais puro que existisse e me fizesse flutuar”, explica Matheus. Atualmente, o artista não trabalha profissionalmente com a dança, somente participa da produção de musicais. Como profissão, ele escolheu a Engenharia Civil. “Tenho amigos que vivem só da arte, mas eu tento conciliar meus dois amores”, conta.


O engenheiro está afastado dos palcos por conta de planos particulares. “A arte é pouco valorizada nessa país. É complicado, para mim, focar só nela”, comenta. “Apesar disso, quando se trata de ser artista, dou o meu melhor para que outras pessoas entendam o valor e as emoções da arte”, conclui Matheus.


A arte é liberdade


A cultura gay e o voguing são retratados no documentário Paris is Burning, história que reflete o modo conservador da sociedade americana de olhar os marginalizados. O filme ilustra as “houses” de drag queens e travestis do final dos anos 80 em Nova Iorque, falando não só da cultura, mas dos sistemas de opressão e de luta a quais homossexuais e trans são submetidos. A violência e o preconceito das ruas traduzia-se no vogue, estilo de dança tradicional do período onde a tensão e agressividade era tão importante quanto a graça e delicadeza são para o balé clássico.


O dançarino de jazz, balé e sapateado, Tiago Salezio Weber, de 26 anos, dança desde os 11 anos e se interessou pela primeira vez logo que a internet banda larga foi lançada. “Minha vontade surgiu quando tive acesso a vídeos de artistas que cantavam e dançavam”, explica.

Tudo é movimento, tudo é dança! (Video: Tiago Weber)


Tiago sabe o quão sortudo foi ao receber apoio da família em relação ao amor pela dança. Ele conta que, visivelmente, nunca sentiu receber nenhuma forma de preconceito. “O fato de eu ser homem não muda o quão bonito a arte é”, afirma o dançarino.


Hoje, Tiago segue a dança como carreira profissional e pretende viver sempre a favor da arte. O fato de a minha família ser mente aberta tornou tudo muito mais divertido e leve de se viver, conta. O artista já participou de vários festivais e já viajou pelo Brasil e fora dele para representar a arte.

Movimentos que expressam emoções na falta das palavras (Foto: Tiago Weber)


Os paradigmas estão mudando, conta Tiago. “Ser homem e dançar é viver de uma maneira diferente do que foi estabelecido e do que a sociedade dita como ‘certo’. Precisamos apreciar as mudanças que estão ocorrendo no mundo”, comenta.


Mesmo que a arte sempre tenha sido desvalorizada, Tiago continua a acreditar nela. “A arte resistiu e sempre vai resistir. Até nos momentos mais obscuros da história ela existiu”, explica o dançarino. “A vida não é possível sem a arte. Ela tem o poder de se transformar nas adversidades. E é isso que um artista faz: se reinventa!”, finaliza.


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JORNALISTA

LANUME WEISS

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