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A representatividade feminina no cinema

  • Foto do escritor: Lanume Weiss
    Lanume Weiss
  • 6 de fev. de 2021
  • 6 min de leitura

Apenas 9,1% das obras cinematográficas são dirigidas por mulheres


A mulher vem lutando contra uma cultura machista e patriarcal há muito tempo e pouco a pouco vem conquistando voz e espaço na sociedade. No campo do cinema, essa realidade não é diferente, visto que o mundo cinematográfico é dominado pela figura masculina e há uma forte sexualização nas produções realizadas pelos homens.


Segundo dados divulgados pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), apenas 19% dos 142 filmes brasileiros produzidos em 2016 foram dirigidos por mulheres – nenhuma delas negra. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2015, 51% da população brasileira é composta pelo sexo feminino e 54% por pessoas pretas.


“Se as mulheres são maioria na sociedade brasileira, por que somos a minoria na produção de filmes?”, é esta a questão levantada pela acadêmica de Cinema e Audiovisual na Unespar, Brendha Rocha. A estudante utiliza de tudo ao seu alcance para apoiar as causas levantadas por minorias e gosta de debater a escassez de mulheres, negros e transsexuais dentro das produções cinematográficas.


A paixão por cinema começou no ensino médio, quando encenou em peças teatrais do colégio e descobriu ali um amor por criar e contar histórias. Nos amplos caminhos que existem para seguir dentro do mundo audiovisual, áreas como roteiro, direção e produção chamam mais a atenção de Brendha.


Dentre as principais obras que produziu durante a faculdade, a acadêmica tem um lugar especial para o curta-metragem Era Uma Vez Uma Mulher (2018), no qual participou como assistente de direção. O filme relata a história de um agente funerário preparando o corpo de uma conhecida.


Dentro desta narrativa, o curta aproveita para discutir a violência sofrida por mulheres, que são moldadas dentro da cultura machista, além de evidenciar a precariedade do sistema judiciário em punir os agressores e mascarar crimes.

Trailer Era Uma Vez Uma Mulher – Direção e Roteiro: Viviane Freitas


No meio acadêmico, Brendha diz ser comum observar uma polarização dos grupos, separados entre homens e mulheres. Isto se dá devido ao fato de que quando uma mulher junta-se a um grupo majoritariamente formado pelo sexo masculino só lhe são dadas funções culturalmente ocupadas por minorias, como produção, direção de arte e assistências. “Eu sinto que para levarem meu trabalho a sério, um homem precisa fazer parte”, explica. “Houve situações em que trabalhei em dupla com um homem e, geralmente, ele era parabenizado por coisas que fizemos juntos, sem estender a parabenização a mim também”, conta Brendha.


Tragam o Oscar para esta mulher


O movimento feminista, originado em 1960, foi o pontapé inicial para a expansão do papel da mulher na sociedade, antes meramente destinado a funções como dona de casa. Agora questionamos o local da mulher, abrindo espaço para ela atuar em âmbito social, econômico e político com mais voz.


Uma pesquisa realizada pelo Geena Daves Institute aponta que 23,3% dos filmes tem uma protagonista feminina. A média é que para cada mulher há 3,9 homens trabalhando em uma produção cinematográfica. O estudo também mostra que apenas 9,1% dos filmes são dirigidos por mulheres.


Em 90 anos de Oscar, somente uma mulher ganhou o prêmio de direção e só outras quatro foram indicadas. Em 2010, Kathryn Bigelow foi a primeira mulher a ganhar o Oscar na categoria de Melhor Diretor e, após uma década, continua sendo a única a ganhar o prêmio.


“Os homens têm mais acesso a editais de produção e também aos festivais, justamente por existir mais deles nestes lugares”. É o que diz Ana Johann, roteirista e diretora cinematográfica e professora de roteiro. “Por isso, é urgente que tenhamos cota de gênero e raça para equiparar os danos causados pelo nosso passado preconceituoso e que continuam ainda no presente”, propõe.


Ana iniciou no mundo acadêmico como jornalista, entretanto, durante a faculdade trabalhou na comunicação do Festival de Teatro de Curitiba e descobriu ali o roteiro cinematográfico. Em 2004, ganhou uma bolsa para estudar documentário na Escola Superior de Cinema e Audiovisuais da Catalunha (ESCAC), em Barcelona.


Há um abismo de oportunidades entre as minorias e o padrão homem, hétero e branco no mundo do cinema. “Como sujeitos, precisamos fazer a nossa parte para combater estas estatísticas, compartilhando o conteúdo produzido por mulheres e dar mais chances de emprego a elas também”, comenta Ana.


A roteirista já escreveu um livro chamado A Construção do Poético no Roteiro Cinematográfico (2015) e tem diversas obras autorais, como os filmes: De Tempos em Tempos (2007); Você Ainda Não Está Morta (2016); O Que Nos Olha (2017); e A Mesma Parte de um Homem, com estreia prevista para 2021. Ana reúne todos os trabalhos em seu site: www.anajohann.com.br.

Você Ainda Não Está Morta – Direção e Roteiro: Ana Johann


Dirigido por mulher vs Dirigido por homem


As produções Hollywoodianas alimentam a visão da mulher perante a sociedade, que as enxerga, até os dias atuais, como um símbolo sexual de fácil manipulação. Diversos filmes produzidos na cidade da fama retratam a mulher de uma maneira que satisfaça os olhos masculinos.


O maior exemplo deste papel sexual concedido a figura feminina foi Marilyn Monroe. Em sua primeira aparição em O Rio das Almas Perdidas (1954), a imagem erotizada da personagem conecta o espectador masculino a este sistema de espetáculo erótico.


Recentemente, outro caso que gerou bastante discussão nas redes sociais foi a diferença na construção da personagem Arlequina do filme Esquadrão Suicida (2016), dirigido por David Ayer, para o longa de emancipação Aves de Rapina (2020), por Cathy Yan. Quando produzido por um homem, a personagem vira objeto sexual – é possível notar nas roupas que veste e na forma em que seduz a câmera.


Sob um olhar feminino, Arlequina ganha outros aspectos além da sensualidade. O elenco principal de Aves de Rapina é totalmente preenchido por mulheres e, por exemplo, as cenas de ação não são utilizadas para acentuar o corpo da personagem, e sim, à procura de um modo estético.

A diferença na caracterização da personagem quando dirigida

por um homem e por uma mulher


“Temos muito chão pela frente para conseguirmos uma igualdade em relação a cargos no setor audiovisual, salário e até mesmo premiações”, conta Aline Machado, acadêmica de Cinema e Audiovisual em Joinville. Na sala de Aline, há apenas quatro mulheres se formando na primeira turma de cinema da cidade. “Já vivenciei problemas em produções acadêmicas, pois colegas não respeitaram minha função como diretora cinematográfica”, compartilha.


A estudante de cinema apaixonou-se pelos filmes aos 14 anos, quando começou a produzir videoclipes musicais. No final de 2016, aventurou-se no curso de cinema em Joinville e descobriu ali uma paixão por narrativa e produção audiovisual. Em 2018, produziu um documentário que aborda a poética da literatura como meio de ressocialização, chamado Palavras Livres.


Elenco principal: homem, homem, homem…


Somente 11% dos filmes têm elenco equilibrado ou mulheres interpretando cerca de metade dos personagens com fala, é o que mostra estudo realizado pela Escola Annenberg de Comunicação e Jornalismo, da Universidade do Sul da Califórnia. Os dados foram divulgados em 2015 e avaliaram um total de 700 filmes e mais de 30 mil personagens. Nas produções lançadas em 2014, apenas 21 das 100 têm uma mulher protagonista ou com papel relevante ao do co-star.


Bacharel em Cinema e Vídeo pela Universidade Estadual do Paraná, Camila Macedo chegou a cursar Arquitetura e Urbanismo antes de se encontrar nas produções audiovisuais. “Foi a partir de um convite para participar da equipe de realização do documentário O Espelho de Ana (2011), por Jessica Candal, que comecei a considerar atuar na área”, compartilha Camila.


São 11 anos de carreira e cerca de 20 filmes produzidos. Nos últimos anos, a cineasta tem se dedicado à pesquisa acadêmica, tal como curadoria, programação de festivais e mostras de cinema. Os estudos de gênero, especialmente feministas e queer, têm acompanhado o percurso de Camila no cinema. “Isso tem a ver com a própria condição de existência do meu corpo no mundo, bem como com o desejo de fazer dessa condição também um posicionamento ético, estético e político”, explica.


Camila conta que ao longa da faculdade teve pouco contato, em sala de aula, com o trabalho de cineasta e teóricas mulheres. “A História do Cinema era apresentada como uma história de homens brancos. Havia muito pouco espaço para se pautar questões de representatividade, não só no que diz respeito ao gênero, mas também em outras dimensões, como as étnico-raciais, por exemplo”, conta. A cineasta também comenta que era visto com naturalidade que papéis como direção e direção fotográfica fossem quase 100% das vezes desempenhados por alunos do sexo masculino.


Em 2019, Camila recebeu um comentário, antes do início de uma sessão do Sesi Cineblube Solax, de um senhor do público que disse acreditar que ela não conseguiria apresentar a sessão e conduzir o debate após o filme sozinha. Apesar de não dizer diretamente que se tratava do fato dela ser mulher, implicitamente, era óbvio que falava disso. “É muito difícil imaginar que, diante de um homem, esse senhor faria os mesmos comentários ou expressaria esse mesmo julgamento”, desabafa.


A mulher no cinema atual


A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pela entrega do Oscar, convidou mais de 800 artistas para entrar no grupo em 2020. Deste total, 45% são mulheres, 36% são de minorias étnicas/raciais e 49% são de 68 países que não os Estados Unidos.


É possível notar que as causas levantadas para combater o sistema patriarcal e machista estão ganhando força. Nas produções cinematográficas, essa realidade também vem se alterando com a construção de personagens feministas. Um exemplo são as animações da Disney que têm deixado de lado a visão da “princesa que precisa ser salva por um príncipe em seu cavalo branco” e dado lugar a personagens que transparecem valentia e poder sozinhas, como a Elsa, de Frozen, e a Moana.


Personagens como Katniss Everdeen, da trilogia Jogos Vorazes, e a heroína Mulher Maravilha, também combatem frente a frente esta cultura de sexualização das mulheres, produzindo filmes com protagonistas femininas, reconhecidas por personalidade forte, destemida e sem apelo para o erotismo.



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JORNALISTA

LANUME WEISS

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