top of page

Mães solos negras enfrentam maior dificuldade financeira

  • Foto do escritor: Lanume Weiss
    Lanume Weiss
  • 6 de fev. de 2021
  • 5 min de leitura

Segundo IBGE, 56,9% das famílias chefiadas por mulheres com filhos vivem abaixo da linha da pobreza. Para as negras, a proporção sobe para 64,4%


Mulher negra da comunidade, oito filhos para sustentar e nenhum pai presente ajudando na renda familiar. Esta é a realidade de Elisete Prestes, 40 anos, moradora de uma comunidade periférica de Balneário Piçarras (SC). Mãe solo de oito crianças, Elisete sustenta a família com um salário de R$ 900,00 que ganha trabalhando como diarista. No total, a renda da casa é de R$ 100,00 por pessoa por mês.


Elisete é parte dos 26,5% dos brasileiros considerados pobres segundo a Síntese de Indicadores Sociais (SIS) do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). O órgão utiliza o parâmetro adotado pelo Banco Mundial para definir a pobreza: famílias que vivem com até 5,5 dólares por dia, por pessoa no domicílio.


Levando em conta o valor do dólar para hoje (R$ 5,68), qualquer pessoa que viva com até de R$ 924,00 mensais, segundo a cotação do dia, pode ser considerada pobre.


“O que eu ganho mal dá para comer. O pai das crianças não ajuda. Minha sorte é conviver com pessoas muito boas ao meu redor que me ajudam como podem sempre que preciso”, conta Elisete. “É triste não poder oferecer mais para meus filhos. A gente vive só com o que dá, sem luxos”.


Mulheres negras vivem mais vulnerabilidades


A pesquisa do IBGE aponta que 56,9% das famílias chefiadas por mulheres com filhos vivem abaixo da linha da pobreza. E se a raça for levada em conta, o cenário piora: nos domicílios cujos responsáveis são mulheres pretas ou pardas sem cônjuge e com filhos até 14 anos, 64,4% vivem abaixo da linha da pobreza. Mais uma realidade na qual Elisete se encontra, mas ela não está sozinha neste grupo.


Mãe de três, Iranice Aparecida Sena, 48 anos, vivencia o abandono: o homem responsável pelos filhos a abandonou e sequer paga a pensão estabelecida por lei. Com um emprego informal de cozinheira, Iranice sustentou os filhos a maior parte da vida com um salário mínimo.


“A parte mais difícil foi trabalhar e cuidar da casa sozinha. Quando não podia estar presente, minha filha mais velha Thamela se tornava a responsável da casa”, compartilha. As contas da casa são pagas primeiro e pouco sobra para um momento de lazer em família. Porém, os filhos de Iranice estão atingindo a idade adulta e poderão ajudar na renda da casa também.


Somando a renda da mãe e da filha mais velha, em alguns meses conseguem rentabilizar quase R$ 1.500,00 mensais. Porém, com o valor do aluguel da casa em R$ 800,00, além das contas de água, luz, internet e mercado, o dinheiro não é suficiente.


Ainda cursando o Ensino Médio, com duas filhas, cada uma fruto de um pai diferente, Yasmin de Oliveira precisa encontrar tempo para trabalhar, estudar e cuidar das crianças. Aos 20 anos, Yasmin já vivencia a experiência de mãe solo. Sem carteira assinada, trabalha de babá para juntar o salário de R$ 500,00 para pagar aluguel e mantimentos para a família.


Os pais das crianças colaboram, somados, o total de R$ 500,00 por mês. A renda da casa é distribuída entre Yasmin, as duas crianças e a irmã mais nova, totalizando R$ 250,00 por pessoa. “Nem sempre os pais delas ajudam, então alguns meses eu vendo docinhos para complementar a renda. Porém, as coisas estão muito caras, as meninas estão em fase de crescimento e é tanta coisa para fazer, que se torna muito difícil”, expõe Yasmin.


Segundo o IBGE, a recessão econômica e o desemprego foram os principais fatores para o aprofundamento das desigualdades. Entre 2014 e 2017, a taxa de desemprego subiu de 6,4% para 12,5%. Elisete, Iranice e Yasmin compartilham da mesma realidade: mães solos, negras, baixa renda e, ainda, ocupadas por trabalho informal, fazendo parte dos 46,9% de pessoas negras sem vínculos registrados na carteira de trabalho no Brasil.

Ilustração: Marilia Ferrari/Gênero e Número


Sociedade patriarcal coloca mulheres em vulnerabilidade


Segundo o IBGE, em 2015 o Brasil tinha cerca de 11,6 milhões de famílias em que a pessoa de referência eram mães solo, o que corresponde a 26,8% das famílias do país. Referente a dados da mesma pesquisa, famílias compostas por um homem sem cônjuge e com filho representam apenas 3,6%.


De acordo com o economista Thyago Americo, essas mulheres têm poucas chances, devido à reprodução dos hábitos e históricos que vivenciam desde crianças. “Normalmente, as mães solo que vivem abaixo da linha da pobreza já vêm de famílias pobres”, diz o especialista. “E piora, porque as crianças não possuem renda, então a casa é sustentada apenas pelo salário da mãe, que é distribuído entre seus filhos”.


Como a atividade de cuidar da casa e dos filhos é vista como algo feminino, pode agravar a falta de participação dos homens dentro de casa. “Devido à separação dos pais, as mães se tornam cuidadoras dos filhos, porque os pais são vistos apenas como quem sustenta a família”. Esta é a lógica do economista para explicar a pouca representatividade de pais solos chefes de família.


“Já que a atividade se torna feminina, a dificuldade começa. Se estas mulheres reproduzem seus históricos, são em sua maioria jovens, de baixa escolaridade e pobres. Como irão sustentar famílias sem empregos e renda fixa?”, questiona Thyago.


Saúde mental das mães solos


Após avaliar aspectos da distribuição de renda entre os grupos populacionais, o IBGE levantou questões relacionadas à pobreza monetária e às condições de moradia. O ponto de partida para a análise é a medição de restrições críticas para as condições de vida, preferencialmente indicadores e dimensões que captem acessos que não dependem exclusivamente da renda.


O estudo considerou restrições de acesso nas seguintes dimensões: Educação, considerando crianças e jovens que não frequentam escolas, analfabetas ou com ensino fundamental incompleto; Proteção Social, analisando domicílios onde não haviam pessoas contribuindo com a renda ou contribuindo com renda inferior a meio salário mínimo; Moradia Inadequada, ou seja, pessoas residindo em domicílios sem banheiros, paredes externas construídas com materiais não duráveis, entre outros; Serviços de Saneamento Básico, que examina pessoas que vivem sem acesso aos serviços de coleta de lixo, abastecimento de água e esgotamento sanitário; e, por fim, Comunicação, referente a residentes sem acesso à internet.


Os moradores em arranjos formados por mulheres pretas ou pardas sem cônjuge e com filhos de até 14 anos tinham 1,6 restrição em média, e uma em cada quatro das pessoas deste grupo (25,2%) tinha ao menos três delas. Esse é também o grupo analisado com maior proporção da população com restrição de acesso à proteção social (46,1%) e a condições de moradia (28,5%).


De acordo com a psicóloga perinatal Thalita Cupertino, o estado de pobreza obriga as mães a viverem em constante alerta. “A vida das mães solos é seus filhos. Com uma qualidade de vida baixa, elas estão sempre batalhando para trazer melhor qualidade de vida à família, deixando de lado a si mesmas”, explica.


A psicóloga ainda cita o agravante à saúde mental. “Essas mães deixam de comer para dar alimento aos filhos. Deixam de se cuidar, porque elas são donas de casa, mães e trabalhadoras – não há tempo para distrações. Elas sempre cuidam de tudo, mas quem cuida delas?”, aponta.


Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a média de casos de depressão pós-parto em países de baixa renda é de 19,8%. De acordo com o estudo da Fiocruz, no Brasil o índice de mulheres com sintomas é de 26,3%. “A gestação é também considerada como um momento de crise, dadas as mudanças físicas, sociais, econômicas e emocionais e, quando associadas à dificuldade financeira, intensifica os conflitos existentes nesse período”, explica Thalita.


Um dos impactos da pandemia de Covid-19 é na saúde mental das mães solos. Com um aumento da sobrecarga e das dificuldades financeiras, esse pode ser o momento ideal para se arquitetar redes de apoio psicológicas para essas mulheres. A Organização das Nações Unidas (ONU) destacou a necessidade de aumentar urgentemente o investimento em serviços de saúde mental nesse período e pontua que “quem correm um risco particular são as mulheres, essencialmente aquelas que estão fazendo malabarismos com a educação em casa e trabalhando em tarefas domésticas”.




تعليقات


JORNALISTA

LANUME WEISS

bottom of page